O ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António, defendeu hoje, em Luanda, que o processo de criação da Zona de Comércio Livre Continental Africana, como outros no mundo, deverá ser reconfigurado devido à pandemia da Covid-19 que, como se vê, serve de desculpa e de cobertura para todos os falhanços e com efeitos retroactivos…
Téte António fez a observação na Assembleia Nacional de Angola, que viabilizou hoje por unanimidade o Projecto de Resolução que aprova, para ratificação, o Acordo que cria a Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA).
O acordo, que criou, a 21 de Março de… 2018, em Kigali, Ruanda, a ZCLCA, já assinado e autenticado por Angola, tem como objectivo a criação de um mercado continental, com vista à circulação de pessoas, bens e serviços cruciais para o aprofundamento da integração económica.
Na sua intervenção, o chefe da diplomacia angolana frisou que a Comissão Económica das Nações Unidas para África previa para o continente um crescimento de 3,8% este ano, mas devido à Covid-19, estima agora apenas 1,8%.
“Significa que será preciso medidas de mitigação, para podermos continuar com este processo da criação da Zona de Comércio Livre Continental”, disse (numa verdadeira descoberta da pólvora) Téte António.
Relativamente ao impacto para Angola deste acordo, o governante disse que se pretende que “o desmantelamento tarifário ocorra dentro do prazo de dez anos, para as linhas tarifárias menos vulneráveis”.
“[Quanto aos] produtos sensíveis, deveremos fazê-lo num período de três anos, podendo manter as tarifas atuais nos próximos cinco anos e iniciando uma liberalização nos oito anos subsequentes”, referiu Téte António, acrescentando que se trata de “um processo progressivo, daí estas cautelas que foram negociadas pelos técnicos dos diferentes ramos, sobretudo do Ministério do Comércio”.
O ministro sublinhou que África é um mercado que representa 1,27 mil milhões de habitantes – 16,2% da população mundial -, com um potencial de Produto Interno Bruto combinado avaliado em 3,4 triliões de dólares (3,1 biliões de euros).
Segundo Téte António, com a entrada em vigor da zona registar-se-á um aumento das trocas comerciais intercontinentais, que deverão passar dos actuais 16% para 53%, prevendo-se igualmente a eliminação de direitos aduaneiros em 90% dos bens trocados e elevar as trocas comerciais dos países africanos em 23% até 2023.
Téte António admitiu que as infra-estruturas são “um dos grandes problemas do continente africano” (provavelmente porque os governos destes países, embora independentes há dezenas de anos, ainda não tiveram tempo para começar a governar), que pode ser ultrapassado através de um processo de dinâmicas internas.
“Vamos observar o que se passa nas nossas fronteiras, nelas há uma pressão dos nossos povos a comercializarem entre si, até que ponto estamos a acompanhar estes processos, enquanto Estado? Penso que esta é uma das respostas que devemos dar quanto à integração económica, o que é que os líderes fizeram”, frisou.
O chefe da diplomacia angolana considerou que o processo de integração económica africana não pode mais ser visto “com o mesmo olhar pessimista, que muitas vezes existiu”, porque “a integração económica avançou bastante”.
O titular da pasta das Relações Exteriores de Angola recordou (mais uma vez mostrando a sua superior formação para dizer o óbvio) que alguns factores desaceleraram a integração económica, nomeadamente os conflitos, sendo que “muitas comunidades económicas consagraram muito esforço na resolução de conflitos e não necessariamente nas organizações económicas”.
Para o chefe da diplomacia angolana, é preciso também uma mudança de paradigma, referindo-se à relação vertical, que existiu durante séculos, entre o sector extractivo e o de transformação, em que as matérias-primas saíam do continente para o ocidente para transformação.
“Depois passámos por uma fase em que a mesma relação vertical continuou, do continente para os países emergentes, e, portanto, é preciso corrigir este paradoxo para termos uma relação horizontal entre o sector extractivo e o sector de transformação”, disse.
Desejosos de executar a decisão da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, tomada durante a sua 18ª sessão ordinária realizada em Adis Abeba, Etiópia, nos dias 29 e 30 de Janeiro de 2012, relativa ao quadro, roteiro e arquitectura para acelerar a criação da Zona de Comércio Livre Continental Africana e ao Plano de Acção para Promoção do Comércio Intra-Africano;
Cientes do lançamento das negociações para a criação da Zona de Comércio Livre Continental visando integrar os mercados de África, em conformidade com os objectivos e princípios enunciados no Tratado de Abuja durante a 25ª sessão ordinária da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana realizada em Joanesburgo, África do Sul, nos dias 14 e 15 de Junho de 2015, e dizendo-se determinados a reforçar as relações económicas com base nos respectivos direitos e obrigações decorrentes do Acto Constitutivo da União Africana de 2000, o Tratado de Abuja e, se for o caso, o Acordo de Marraquexe que cria a Organização Mundial do Comércio de 1994 e tendo em conta as aspirações da Agenda 2063 visando a criação de um mercado continental com a livre circulação de pessoas, capitais, mercadorias e serviços, cruciais para o aprofundamento da integração económica, a promoção do desenvolvimento agrícola, a segurança alimentar, a industrialização e as transformações económicas estruturais os signatários prometeram continuar a prometer até que, um dia, alguém troque o verbo prometer por executar.
Isso não os impediu de dizerem que estavam conscientes da necessidade de criar um mercado alargado e seguro para mercadorias e serviços dos Estados Partes através de uma infra-estrutura adequada e da redução ou eliminação progressiva das barreiras tarifárias e eliminação das barreiras não tarifárias ao comércio e ao investimento.
Ou, ainda, da necessidade de estabelecer regras claras, transparentes, previsíveis e mutuamente vantajosas para reger o comércio de mercadorias e serviços, a política de concorrência, o investimento e a propriedade intelectual entre os Estados Partes, resolvendo os desafios relativos aos regimes comerciais múltiplos e que se sobrepõem com vista a alcançar a coerência das políticas, particularmente nas relações com terceiros.
Do mesmo modo, formalmente afirmaram reconhecer a importância da segurança internacional, da democracia, dos direitos humanos, da igualdade de géneros e do Estado de Direito para o desenvolvimento do comércio internacional e da cooperação económica, tal como reafirmaram o direito de regulamentar que os Estados Partes dispõem nos seus respectivos territórios e a sua flexibilidade para prosseguir os objectivos políticos legítimos, em áreas que incluam a saúde pública, a segurança, o ambiente, a moral pública, a promoção e a protecção da diversidade cultural.
Os objectivos gerais da ZCLCA eram, são, serão:
– Criar um mercado único de mercadorias e serviços, facilitado pela circulação de pessoas, a fim de aprofundar a integração económica do continente africano e de acordo com a Visão Pan-Africana de “uma África Pacífica, Próspera e Integrada” na Agenda 2063;
– Criar um mercado liberalizado de mercadorias e serviços, mediante sucessivas rondas de negociações;
– Contribuir para a circulação de capitais e de pessoas singulares, facilitando os investimentos com base nas iniciativas e desenvolvimentos nos Estados Partes e nas CER (Comunidades Económicas Regionais);
– Estabelecer as bases para a criação de uma união aduaneira continental numa fase posterior;
– Promover e alcançar um desenvolvimento socioeconómico sustentável e inclusivo, igualdade do género e a transformação estrutural dos Estados Partes;
– Reforçar a competitividade das economias dos Estados Partes no mercado continental e mundial;
– Promover o desenvolvimento industrial através da diversificação e o desenvolvimento das cadeias de valor regionais, o desenvolvimento da agricultura e a segurança alimentar;
– Resolver os desafios relacionados com a adesão múltipla e a sobreposição dos membros, bem como acelerar os processos de integração regional e continental.
Folha 8 com Lusa